9.4.06

(...)

São Paulo, trem, noite. A trilha é pagode puro, salgado a suor de pobre, em versos com refrão que se repete de música em música: - Seis pilha palito (...) – Agenda de bolso (...) – Livro para colorir (...) – Isqueiro, três (...). De cinqüenta a um real. Mais que isso ninguém teria. A cada estação trocam-se os ambulantes, o discurso é o mesmo, os produtos às vezes não. Guardada em bolsa, a venda é disfarçada até o trem se por em movimento.

Osasco – Jurubatuba, 23h30. O caminho de volta começa desde a hora que se sai de casa. O emprego é desgastante, o sono vem logo. Metido em seus pensamentos, segue o viajante. Vazio.
Segura a bolsa, com a mão apertada, de quem mesmo cochilando não se distrai. Ah, quantas e quantas vezes não vira moleque correr com furto fresco. O descuido de um olhar poderia custar muitas horas em um Poupa-tempo. Às vezes percebia a mão até doer de tanto que apertava sua bolsa sem se dar conta. Caminho de volta é feito de muitas orações. De tempos em tempos, um som de centenas de abelhas voando antecedia a voz rouca e abafada, estação que chegava. Junto, os dizeres de aviso quanto ao espaço que ficava entre o trem e a plataforma.

Havia um senhor perto da porta, que segurava os metais do trem e portava pequena sacola em mãos. Jaqueta surrada, barba que começava a crescer branca, os olhos fixos e seguros de si. O homem que segura a bolsa o olha de quando em quando como a se proteger. Desconfia dele. O velho não tem cara de trabalhador. O que carrega na sacola pode ser os frutos de um pequeno assalto feito a pouco e suas roupas apenas para esconder o grosso calibre que carrega na barriga. Quanta besteira que passa pela minha cabeça! Apenas um senhor... Mas ele me olha às vezes! Minha roupa é simples, mas não feia, pode achar que tenho dinheiro. Acho que tenho trinta reais na carteira. Será que ainda estou com ela aqui? Apalpa suas nádegas. Ainda estou. Será que meu celular está aparecendo, mas se eu for mudar de lugar aparecerá mil vezes mais. Ainda faltam três estações.

O velho senhor, em passo firme senta-se ao lado do homem da bolsa. O coração do último sai pela boca e o suor frio quase rompe o rosto. Minha intuição não falha, em poucos segundos ele vai me abordar com a maior educação do mundo, talvez me pergunte às horas ou simplesmente me informe do assalto. Nunca as estações demoraram tanto a passarem. Mais que droga.

(...)

- Estação Granja Julieta. Por favor se atentem ao espaço entre o trem e a plataforma

Minha estação. Vou fingir que ainda não é a minha e sem ele se dar conta, escapo dessa.
Ao se levantar, quando as portas já se estavam abertas, o velho o segura forte no braço, com uma violência extrema e, quase com olhar raivoso, diz em tom baixo e rastejante:

- Não desça! Desça na próxima estação seu idiota!

O homem da bolsa exclamou no rosto uma expressão de horror, desvencilhou-se rápido da mão do velho e a fugir correu para fora do trem. Ainda teve tempo de tropeçar no espaço entre o trem e a plataforma. O alivio veio profundo, quase que fora assaltado, talvez seria até morto. Escapara do perigo.

A imagem a quem estava no trem foi clara embora rápida. Ao descer, o homem da bolsa encontrara uma estação vazia a não ser por um grupo de sete ou oito jovens, que não coravam por ter em punhos paus, revólveres, correntes e o que fosse mais utensílio a violência.

A imagem corrida aos passageiros do trem foi um homem, que empunhava em mão uma bolsa, correndo. Atrás dele sete ou oito rapazes armados de matéria e raiva. O trem saiu da estação e a última cena que se viu foi ele correr as escadas.

O velho orou. O desfecho ninguém soube. Não deu notícia no dia seguinte.

- Estação Socorro.

A última cena que se viu foi o velho ao subir as escadas. Filme com slides em cada janela.

2 comentários:

Fabi [lizatômica] disse...

Deni!!!
cada vez que passo nesse espaço fabuloso, me deparo com textos escritos com belas e encantadoras palavras. Um jeito incrivel de colocar pra fora os mais naturais e corriqueiros pensamentos...
Admiro por demais...
Beijinho
Bela

Diana disse...

Programador formado pela super-Microlins, coloque uma janelinha de comentários mais amigável porque eu quero elogiar teus textos mais rápido. :-)
[Eu uso as do www.haloscan.com. Competentes.]

Ah, esse texto eu já elogiei. haha
Ok, é irresistível dizer... como é bom ler teus contos.

 
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