4.2.09

01º 27' S, 48º 30' O

mirante vejo o rio ondular em mangue.
há muito de chuva e um fim pequeno no horizonte,
linha mata, faixa irregular.
e ela se interrompe, no meio há sempre mais rio.

mangue, areia e garças se revezam no meu olhar.
pequeninas e um rio imenso.
o limite entre o céu e a terra é a sua mestiçagem,
entre o mar e as estrelas,
entre o pé e a pena,
a terra e o vôo.

e é nesse vôo que me imenso,
intersecto, garça,
a asa
que bate baixa faz onda,
bate alta
traz as estrelas cadentes.

são nessas penas que me componho,
são nesses horizontes que vertigo,
plano.

é nessa imensidão marrom
que me faço cadente e candente.

são nesses murmúrios que me faço vós.

se lento, escondido e arrisco, me arisco,
são nessas vozes que encontro meu silêncio.

11.1.09

precipitado

quando chove
eu me percebo com os sentimentos de todos os
poetas do passado,
imundo.
me forço para não sentir nostalgia,
clichê poético.
como se num dia de finados tivesse que chorar.

e chorro torrencialmente,
de todos os mortos que deixaram em mim e em
outros tantos, tanta nostalgia,
inundo.
como a sentir saudade
do olho úmido e amarelo que me encara.

16.11.08

passo curto

eu é que achava meus passos pequenos, pausados e inconstantes,
escaldados no calor do asfalto,
do calor que me vem pelos pés antes da cabeça.

eu é que achava meus passos inconstantes, pausados e pequenos,
mergulhado na leveza breve e bruta do impacto entre meu último e o mundo.

eu é que achava meus passos pausados, inconstantes e pequenos,
truncado no derrapão amiúde, nas miudezas que o mundo me salta no ar.

eu que me achava pequeno,
pausado e inconstante,
truncado, mergulhado, escaldado...
emergi, libertei, refresquei-me
meditando na cadência sinuosa dos meus passos.

vielas de bambu

ela despontou as pontas do cabelo. apontou o pente, aprontou o cabelo e envolveu os dedos na madeira. tomou firme o seu pente de bambu e mergulho-os, fazendo vielas simultâneas, se desmanchando e surgindo novas e novas e novas a cada penteada. o preço da viela é sempre pentear. é quando falta o pente, o bambu se faz no dedo. eu, daqui da cama, olhando você se pentear, penso que nisso cabe uma vida

27.10.08

sonhos e figos

dorme folha de figueira, já é noite.
constela na textura, por que estrela se toca no dedo,
na palma, à queima-mão.

dorme folha de figueira,
constela forte para o dia nascer.
dorme anã, no mover entre os dedos,
universos vertendo multiversos

dorme folha de figueira
e deixa brilhos constelarem,
os brilhos escorrerem para a mão,
bate palmas com o vento.

bate palmas até serenar,
até espalhar todas as estrelas pelo vento,
até as folhas ficarem nuas de estrelas e espalhar o sonho,
o sono chega, é tempo de mais sonho,
dorme folha de figueira.

13.7.08

cigana

devida a vida
vendida e vedada
dívida de vida
devida e de morte
de mote, de monte.

devida à vida
dividida em dividendos
vivemos e viventes
vida dividida
em divas e vinhas,
em adivinhas.

26.6.08

mmmm

Tomo a fita métrica em minha mãos
Em meus dedos metrifico meus medos,
Meus mais modestos desesperos medidos.
Comedidos, comportados, confortados na medida.

Me diga como eu digo, inda comedido,
Medido, todas as medidas de meu medo.
Mensurado na certeza dos centímetros,
Sem ti me troco, me fico metrificado.

Emparelho dedo e fita, medo e fito,
Toda toma meu braço, corpo, tronco,
Troco o lado, largo o tronco, me torço, me dobro,
Faço da fita o dobro e meço meu corpo.

Eu sou do tamanho de meus medos.

07h

levanta levado pelo despertador. despertador levado, obtuso e intruso, insistentemente adestrado para a repetição. paulo se ergue intercalando os passos duros batidos no chão e algum barulho com a leveza de quem ainda respira sonho e insiste em olhos se abrirem de uma vez. abrem na água gelada da pia. abrem no espelho. paulo toma a mochila e o café. o pão, amanhecido e esquentado ele alça nas mãos e sai pela porta. o menino pequeno é grande na cidade grande. conduz-se ao ponto de condução. conduzido. mãos pra cima, é hora de andar.

paulo salta do conduzido. é hora de se enfiar embaixo da terra. propagandas. bandos de cartazes lhe aferroam o olho. tudo aquilo só pode não ser verdade. ele vê, tromba, tombo é quase que sempre quase. segue a minhoca de gente, os sentidos da multidão e deixa ser subido. hipotenusa que ascende e acende. cresce. é tempo ruim, chove. aqui no chover é tempo ruim. tudo fica mais lento. a chuva coloca marcha lenta na cidade. e a gente fica imerso, feito bolha, feito peixe na água sem ser peixe, feito peixe na água visto de fora e vendo dentro. a gente fica lento. gente demais.

paulo resolve não entrar na escola. olha de longe mais tantos de gente entrando no portão pixado. o bedel de óculos de muitos anos antes, vê nada, não na outra margem o menino que espreita e espera. e quanto mais gente entra, mais forte paulo fica na intenção. todos entraram. ainda um, atrasado, que afastado se aproxima do portão correndo. força maior. paulo vai ficar sentado nalgum lugar tendo idéia. o menino fica e têm. teima tanto que o tempo passa, a fome não. é hora de voltar pra casa.

o carro era grande. o menino pequeno. a cidade grade e grande, grunhe. o menino paulo virou asfalto.

28.2.08

06h

o sol se colocou na ponta do mundo pra nascer. deu uma estirada funda e jogou longe seus raios. nasceu porto, longe lá, se aportou no cais e de torpor fundo, soldado luzeiro, preguiçoso vai. uma pessoa joão acorda com a corda que o sol lhe dá pela fresta da janela. dá pulo da cama e segue zumbizando sono acordado até a mesa de café. da manhã toma um pingado pela mãe que lhe coça a cabeça em sina de bom dia. come devagar em vista do sono, veste-se em uniforme para rumar caminho cotidiano para escola. traçou nos pés o desenho de sempre e alternou pernas. tinha um intento naquela manhã.

deveria ser dia mais especial que outros. deveria ser dia em que sendo dia diferente haveria de não acontecer tudo como dia-de-sempre. pararia em cada árvore que encontrasse no caminho, e a cada uma delas faria algo diverso. olharia a cada uma como uma. e de uma-em-uma ganharia algo de bom em sua passada. seus passos seguiram.

árvore primeira balançou sombra em sua frente e como era prometido parou e sem pretensões sentou baixo. esqueceu que tinha ouvidos e olhos e sentou. folha caiu duas. pessoa pegou na mão, teve vontade de apertar, mas não tinha quase mão para fazer. não tinha corpo pra fazer mais nada de que corpo faz. tinha vontade grande no peito, tão grande que olhou fundo e no fundo sua vista embaçou, pessoa dormiu.

dormiu de primeira árvore. dormiu e sonhou, de bom tom que era a sombra, teve aconchego para chegar em sono ensonharado. pessoa tinha asas e voava entre os dedos do mundo. juntava folego, rasantes fundos nas bordas da terra e pensando em sonho como era ser de outro modo. engrandenceu sorriso, soltou caderno e lápis sozinhos. eles se desenharam, se escreviam e se apagavam em céu tela. pessoa mergulhava no mar do céu, contava as estrelas de pessoas mundo abaixo. tomava tento, atento e aceno. tomava tudo que não fosse juízo de ordens. decidiu que dali em diante, o mundo se adiantaria o quanto quisesse pra ele. joão não ía correr atrás. corria pra dentro de tudo o que era fora. os olhos aumentavam e brincava os jogos do vento. mãos fundas no céu infinito. pendurado em estrelas. balanço. mãos grudadas nas estrelas, medo de ficar árvore de cabeça virada. vontade de ficar feito balanço, ciscando pé na terra. pé na terra. segura forte e a luz das estrelas feito bolha de sabão no fim do brilho. cai. enterra...

devagar como folha que cai alto. bem de longe pessoa abriu os olhos cheios de terra. então se envergou todo, saiu em folhas de seus cabelos, parou numa esquina moribumda. ficou os pés bem firmes na terra mexida que saia do asfalto. árvore ali nunca morreu nem nasceu. árvore ficou aquela só. joão que era pessoa, que pessoa joão virou ar, varou em si mesmo fruto, folha e caule. joão virou gente grande. pessoa virou árvore.

 
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